Eu
quero sacramentos!
(Catarina
Alexandra Salgado Gonçalves)
O matrimónio tornou-se o centro das atenções nos
últimos onze meses, com os três actos pontifícios: anúncio do ano santo da
misericórdia, com a bula misericordiae vultus de 11 de abril de 2015; o Motu
Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus, em vigor a 08 de dezembro de 2015; a
Exortação Apostólica Amoris laetitia de 19 de março de 2016. Três momentos
distintos que viriam a gerar o fervor mediático e inconsequente dos meios de comunicação,
sobretudo daqueles que acusam uma grave falta de formação doutrinal, e falta de “trabalho de casa”. Muitas
foram as leituras erróneas, muitas foram as manchetes
distorcidas, numa linguagem popularista e enganosa. As interpretações ficaram
no limbo, sem questionar as figuras linguísticas usadas pelo Papa Francisco,
onde se destaca um certo eufemismo, que deve ser estudado à luz da doutrina da
Igreja, e não à mercê dos jornalistas.
Passou então a falar-se em “anular casamentos”; aceder a sacramentos mesmo em situações
irregulares; celeridade e gratuitidade de processos. A tudo isto assistia a vontade, mesmo que por
ele desconhecida, do Papa Francisco. Quando alguma autoridade eclesiástica falava ou
fala nos exageros que se tem vindo a reclamar, junto dos tribunais eclesiásticos ou nas
paróquias, logo se torna alvo de duras acusações, e de atitudes
inquisitoriais.
Nos últimos tempos, tem-me procurado para pedir a nulidade do matrimónio, como
se de um impresso se tratasse, e eu o pudesse assinar de imediato. Quando
delicadamente recebem a má notícia de tal não ser possível, as reações
dividem-se. Ora agem com certa agressividade, buscando argumentos nas palavras
que o Romano Pontífice nunca disse, ora tentam conseguir culpados por tal
ignorância. Não raro, também, os párocos são acusados de recusar os
sacramentos, ou de não passar atestados de idoneidade, para ser padrinho/
madrinha, a pessoas que se encontram em situações irregulares. Vítimas
incompreendidas
por párocos insolentes, dão-me o poder de resolver a situação, ajudando-me com
as normas, por mim desconhecidas, dadas em Roma pelo bispo da Urbe. Assusta-me
trilhar estes caminhos sensíveis de falta de formação doutrinal, e de inconsistência
cristã. É verdade que o MP MI fez reformas no processo canónico de declaração
de nulidade. Antes de elucidar para as mais pertinentes, parece-me importante que
os fiéis entendam que a Igreja não anula casamentos. Estuda, sim, os factos que
estão na génesis do seu fracasso e reunidas as provas necessárias concluiu, ou
não, que o matrimónio nunca existiu, isto é, foi celebrado de forma nula. O
consentimento prestado pelos nubentes estava viciado por alguma anomalia, ou
simulação de um ou ambos que impedia de se comprometerem e se doarem verdadeiramente
um ao outro, no laço indissolúvel do sacramento do matrimónio. As razões para
tal são inúmeras, e devem passar por uma triagem feita por um juiz ou advogado
canónico, a fim de avaliar se realmente existe um bonus fumus iuris, só
depois se deve prosseguir para o processo em si. Nesta avaliação preliminar os
cônjuges deverão aproveitar a ocasião e esclarecer todas as dúvidas que os
assaltam, relativamente à sua situação. Passamos agora a uma breve síntese das
novidades do MP MI que dizem respeito aos cônjuges, cujo matrimónio culminou
na separação e não há reconciliação possível: 1. O processo tornou-se mais
célere. A sentença de primeira instância torna-se executiva, ou seja, deixou de
ser necessária a sentença dupla conforme. A sentença afirmativa não vai ao
tribunal de segunda instância, salvo excepção, se uma das Partes se sentiu
lesada com a decisão e interpõe apelo ao Tribunal superior. Portanto, o
processo é decidido mais rápido entre 6 meses a um ano.
2.
A Parte que se constitui Autora pode introduzir o libelo no Tribunal Eclesiástico
onde tem domicílio ou quase- domicilio. Sem precisar de ulteriores diligências
entre os vigários judiciais, caso a Parte demandada viva noutra diocese.
3.
O processo breve, até então designado por processo documental, passa a ser
julgado pelo bispo diocesano, e tem 45 dias para o resolver. Convém entender
que este proceso é motivado por provas irrefutáveis, sobretudo documentais, que
mostrem com evidencia ao juiz que o matrimónio foi nulo, sem margem para dúvidas.
A inexistência das provas físicas, ou testemunhos incontestáveis, tornam
impossível enveredar por este caminho e assim sendo o processo terá de ser
julgado pela via ordinária. Todos os outros cânones alterados dizem respeito
aos trâmites processuais. A gratuitidade, bem como a redução de custas, são aplicadas
áqueles que não podem custear o processo, aliás sempre assim foi. O Tribunal Eclesiástico
não exclui ninguém. Obviamente, existem despesas que não podem ser suportadas
em exclusivo pelas dioceses. O Papa no MP MI afirma: «Juntamente com a
proximidade do juiz, as Conferências Episcopais cuidem, tanto quanto possível,
que, sem prejuízo da justa e digna retribuição dos operadores dos tribunais,
seja assegurada a gratuidade dos processos, para que a Igreja, mostrando-se aos
fiéis mãe generosa, numa matéria tão estreitamente ligada à salvação das almas,
manifeste o amor gratuito de Cristo pelo qual todos fomos salvos». Não se lê, e
não se pode interpretar que o Papa Francisco ordene que as custas do Tribunal deixem
de existir, mas sim que dentro das possibilidades se aplique este generoso
gesto, subentendendo que a ninguém lhe seja negada a justiça, por causa de
dinheiro. Esta é a doutrina reformista do Motu Proprio. Mais recentemente a
exortação apostólica Amoris Laetitia despertou uma certa agitação nos
divorciados- recasados. Reclamam a admissão aos sacramentos, baseados no que
ouviram nos media. Para não me alongar, termino com o ponto 297 da
Exortação: «deve-se ajudar cada um a encontrar a sua própria maneira de
participar na comunidade eclesial, para que se sinta objecto duma misericórdia
«imerecida, incondicional e gratuita». Ninguém pode ser condenado para sempre,
porque esta não é a lógica do Evangelho! Não me refiro só aos divorciados que
vivem numa nova união, mas a todos seja qual for a situação em que se
encontrem. Obviamente, se alguém ostenta um pecado objectivo como se fizesse
parte do ideal cristão ou quer impor algo diferente do que a Igreja ensina, não
pode pretender dar catequese ou pregar e, neste sentido, há algo que o separa
da comunidade (cf. Mt 18, 17). Precisa de voltar a ouvir o anúncio do
Evangelho e o convite à conversão. Mas, mesmo para esta pessoa, pode haver
alguma maneira de participar na vida da comunidade, quer em tarefas sociais,
quer em reuniões de oração, quer na forma que lhe possa sugerir a sua própria
iniciativa discernida juntamente com o pastor. Quanto ao modo de tratar as
várias situações chamadas «irregulares», os Padres sinodais chegaram a um
consenso geral que eu sustento: «Na abordagem pastoral das pessoas que
contraíram matrimónio civil, que são divorciadas novamente casadas, ou que simplesmente
convivem, compete à Igreja revelar-lhes a pedagogia divina da graça nas suas
vidas e ajudá-las a alcançar a plenitude do desígnio que Deus tem para elas»,[328]
sempre possível com a força do Espírito Santo». O Sumo Pontífice quer a integração
na comunidade, deixando intocável a doutrina sacramental. Não se pode pedir alterações
quando elas não existem!
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